11/09/10 MARSEILLE: entrevista com Genova

Às 11h eu tive uma entrevista com a Vicenza, uma guria da minha idade que trabalha no Recursos Humanos da Costa em Genova. E eu que tinha planejado ir maquiada e não reclamar da vida fui de cara lavada com minhas olheiras gritando e resolvi abrir meu coração pra ela, e foi a melhor coisa que eu fiz. Ele mandou o italiano voltar em meia hora quando viu que eu tinha muito mais pra falar do que sobre o curso no Costa Campus com o Renato, e o que eu disse foi a mais pura verdade, e eu quero que vocês saibam também...

- que eu não volto nem amarrada de photographer C, que o nível de estresse que eu tenho não vale a pena pela merreca que eu ganho

- que eu não vejo oportunidade de crescer nesta Cia, ela perguntou se a Ciara sabia que eu era formada em fotografia, e eu disse que as semanas dela a bordo foram as piores pra mim, que sofri uma pressão muito maior dos meus chefes, e o máximo que eu consegui pedir pra ela foi conversar com meu assistente pra ele não tocar em mim

- eu disse pra ela que passei muito tempo me esforçando pra demonstrar que eu mereceria estar aqui mas que fui me dando conta que ninguém se importa, e agora eu faço meu trabalho e vou pra minha cabine

- disse que eu dei aula de inglês dois anos na minha cidade, que eu tenho TOEFL e Michigan (certificados de proficiência) e que ninguém gosta de falar inglês no navio, apesar de ser a língua oficial, e que metade da minha equipe não fala inglês

- que eu queria aprender italiano de verdade, mas meus dois gerentes me negaram tempo pra fazer as aulas e eu não tenho dinheiro pra investir em livros pra estudar sozinha, então eu falo o que preciso pro meu trabalho e pronto

- que eu passei por uma seleção severa no Brasil e eu achava que ia trabalhar com fotógrafos experientes e aprender coisas novas, mas tudo que me pedem é um número de fotos e um enquadramento viciado

- que eu não nasci pra ficar 11 horas plantada numa galeria vendendo fotos pra pessoas extremamente grosseiras

- que eu não tenho preconceito com a experiência profissional de ninguém, mas me deixa no mínimo curiosa trabalhar com pessoas que nunca tocaram numa câmera profissional antes de vir pro navio, que um dos meus colegas tinha 3 contratos como cleaner e outro é mecânico no seu país de origem

- ela perguntou quantos anos eu tinha e disse que a gente regulava de idade, que sabia que a vida a bordo era difícil, que em terra também é mas ela sabe a diferença de passar o fim de semana com a família. Disse que quer me ajudar, que vai levar as informações pra gerência da Foto de Genova e vai tentar uma promoção pra mim

- mas o mais importante foi quando ela disse que queria me dar um conselho de AMIGA, não de profissional: que se via de longe que eu era inteligente e que se essa Cia não me desse uma oportunidade de usar o meu cérebro eu devia mudar pra outra

MONEY CAN’T BUY ME LOVE

E EU PERDI COMPLETAMENTE O MEDO DA COSTA, PORQUE O VIKTOR, SIM O FALECIDO BASTARDO, TINHA RAZÃO: EU NÃO MEREÇO ESTAR AQUI (MAS EU NÃO MEREÇO POR MIM, NÃO PELA COSTA). E ACIMA DE TUDO ELES NÃO MERECEM UMA PROFISSIONAL DO MEU NÍVEL, MUITO MENOS UM SER HUMANO COM O MEU CORAÇÃO.

Foi nesta certeza que eu fui pro meu ultimo dia de embarque, e eu sabia que ia levar o quinto warning, e eu cheguei a desejar ir embora pra sentir o cheirinho inconfundível da maquiagem da minha mãe, pra ver qual a roupa nova que a Ana inventou, pra sentir o calor do abraço do Bernardo, pra chorar bodas abraçada na Bela e pra dizer com todas as palavras pra Inês que eu amo ela, olhando no fundo dos olhos azuis dela.

E quando a Caroline apertou forte a minha mão pra fazer essa foto eu tive certeza de que mesmo eu voltando sem dinheiro, com meia dúzia de maquiagens importadas na bagagem, as pessoas que eu cativei nesse meu caminho fizeram tudo valer a pena E EU FARIA TUDO DE NOVO, TODAS AS COISAS CERTAS E ERRADAS, CHORARIA CADA LÁGRIMA DE NOVO E SORRIRIA VINTE MILHÕES DE VEZES POR DIA PROS MEUS AMIGOS DE NOVO.