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23 de agosto de 2010

12/08/10 PALMA DE MALLORCA

Hoje eu fui no Carrefour fazer as últimas compras do meu contrato. Estoquei as coisas mais importantes que preciso pra viver nos próximos 2 meses e meio. Não consegui acessar a internet do Bacaro, e agora eu já não tenho mais um colapso quando não consigo fazer as coisas que me planejo pra fazer. Porque não vale a pena, porque eu já sei que o sinal é sempre uma merda em muito lugares que vamos, porque estamos sempre juntos – nós, os crew members.

Vitinho e Ricardinho, meus paisanos que trabalham no bar do navio, pagaram uma cervejinha pra mim antes da gente voltar.

No meu momento vivendo a vida sem ataque cardíaco, algumas novidades e várias reflexões. Eu me afastei completamente de QUALQUER UM que estiver pra morrer. Sou intensa demais pra viver perto de pessoas que já não enxergam mais a beleza da vida, por mais que eu goste delas. Assim encontrei paz de espírito, mas não conta pra ninguém, porque neste navio pelo menos o teu chefe tem que achar que tu estás a beira de um ataque de nervos.

E eu percebi a desgraça que se abateu no meu departamento é resultado de dois motivos: o sistema burocrático e o sistema psicológico.

O SISTEMA BUROCRÁTICO DO NAVIO E O SISTEMA CAPITALISTA DO MUNDO
A hotel director caga na cabeça da administrative director, que caga na cabeça do meu gerente, o Peppe. Ele já não é mais o mesmo há muito tempo e eu já não dou bom dia quando ele não olha pra minha cara. Agora a gente abre a loja mais cedo e fecha mais tarde. Motivo: talvez desta forma a gente atinja o target. Coloca um bando de gente jovem pra não fazer nada por duas horas durante as primeiras e as últimas horas do dia... É só reclamação. E dói mesmo, as costas, a cabeça, os pés – mas o fundo real da dor é sempre psicológico, em qualquer departamento. Eu tento me afastar de gente que reclama demais, mas a vida dos fotógrafos anda dura, e a gente faz terapia em grupo.

Todos outros cargos invejam a posição de fotógrafo: sem port maning, tempo pra passear, e aquelas outras facilidades da vida de staff. Qual é o nosso problema então? Porque NINGUÉM está feliz no meu departamento – não sei se é uma pergunta ou uma resposta.

O problema é que está merda que vem sendo cagada lá de cima termina sempre no mais fraco, no caso, os fotógrafos. Então é a gente que não sorri, a gente que não se esforça pra vender mais, a gente que é julgado pela nacionalidade... Mas a verdade é que com seus defeitos e qualidades pessoais e profissionais, todo mundo trabalha bem na Photo, no meu ponto de vista. Todo mundo faz o que pode pra fazer fotos melhores e vender mais. Só que isso não é o suficiente. E não é nossa culpa que nosso giro é barato, que nossos passageiros acham um absurdo o preço das fotos, e é mesmo, e ninguém abre a mão pra criar pacotes que possam pelo menos fazer parecer que existe alguma vantagem pro passageiro.

Só que o sistema sempre foi burro, aqui e em qualquer lugar, os trabalhadores sempre se deixaram ser oprimidos. Mas o sistema ainda é capitalista e é preciso ganhar dinheiro pra ser feliz – eu sei que felicidade não se compra, mas a felicidade vem da onde? De comer fora do navio, do passeio que envolve transporte, do vestido, celular, Iphone ou qualquer outra besteira que faça a vida dura de bordo valer a pena... do mojito na praia que só obtemos com dinheiro.

O SISTEMA PSICOLÓGICO
O Morcego e a Vampira não são más pessoas, e mesmo assim quase ninguém gosta deles pessoalmente no departamento e no navio. Ele pediu pra ser estendido um mês pra terminar o contrato com a namorada, o que ele ganhou? Vai desembarcar um mês antes do término normal do contrato pra embarcar no Serena – que vai pro Brasil. E ela, que já tem experiência de vida a bordo, sabe que vai tomar guampa feito louca, porque a vida de navio já é uma putaria, mas é no Brasil que os europeus liberam suas fantasias... Inclusive sexuais.

Claro que eu não tenho nada a ver com isso, mas a única pessoa que quebra minhas pernas todo dia neste navio é o Morcegão. Então eu quero mais é que ele sofra mesmo.

Eu, a Tati e a Michele estamos nos reaproximando, porque no fim das contas, a batata fica mais quente pra quem é brasileiro. Nós somos muito diferentes, mas nenhuma de nós é de má índole. E eu e a Tati, que tanto já brigamos e falamos mal uma da outra, estamos nos dando uma outra chance, de novo.

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